Contabilidade, muito mais útil do que você imagina

Vamos fingir que estamos em uma conferência presencial (durante a pandemia tivemos saudade desses eventos presenciais, né?). Levante a mão o empresário, médico, engenheiro, advogado que sempre sonhou com uma discussão sobre temas contábeis.

Não fico chateado de não ver nem uma só mão levantada. Aliás, ficaria surpreso se tivesse algumas, espantado se fossem muitas e fugiria desta "sala" se todo o mundo estivesse levantando entusiasmadas mãos.

Abandonemos o tom levemente jocoso e vamos ficar mais sérios. Agora levantem a mão os empresários presentes nesta "sala" que nunca se fizeram algumas das perguntas a seguir, no que se refere ao futuro do seu empreendimento.

Tenho sucessores dentro da família?
Em caso positivo, são pessoas que assumiriam um lugar de destaque na administração ou ficariam como conselheiros de administração?
Caso negativo, será que preciso admitir um sócio?
Se minha empresa for procurada por alguém disposto a comprá-la, o que eu faria?
Será que vou ter que procurar alguém para comprar minha empresa?
Será que minha empresa é atraente do jeito que é hoje, ou eu deveria partir para uma reorganização com vistas a uma fusão ou aquisição, para ganhar músculo?
E se eu decidir comprar a parte do meu sócio, a transação seria no valor que está na minha cabeça ou no que está na dele?

Todas as perguntas acima, de uma maneira ou outra, acabam tendo componentes de dois elementos importantíssimos: (i) a existência de certo grau de conflito quanto ao futuro do empreendimento e (ii) dúvidas quanto ao valor/avaliação da empresa.

No que se refere aos potenciais conflitos, é possível que a primeira ideia seja: "lá vamos nós brigar na Justiça por anos a fio, talvez para concluir com uma solução que não satisfaça nenhuma das partes". E o que é pior: "será que essas demoras poderiam ferir de morte o próprio empreendimento, reduzindo significativamente seu valor"? Nessas circunstâncias, muitos poderão sentir a tentação de ficar no "deixa pra lá..." e perder muito do seu patrimônio, duramente conquistado. Não é justo! A boa notícia é que hoje há mecanismos mais baratos e ágeis de acesso à justiça. Falamos da arbitragem, da conciliação e da mediação. Mas, embora muito relevante, este não é o tema principal desta conversa.

Fatalmente, devemos falar agora de um assunto importante em qualquer das transações acima exemplificadas. O valor da empresa no qual será baseada a negociação. E aqui temos uma boa notícia. A contabilidade, outrora enxergada como mera formalidade para atender aspectos legais e/ou regulamentares societários e fiscais, deu um significativo salto de qualidade mais de uma década atrás. No Brasil, decidiu-se adotar os princípios internacionais de reconhecimento e mensuração aplicados na contabilidade societária. Com isso, passou-se de uma contabilidade que refletia custos e valores históricos a uma contabilidade que reflete, na sua grande maioria, valores atualizados ou de mercado. Para bem e para mal, dependendo das circunstâncias.

Assim, as demonstrações contábeis podem ser usadas como base para as negociações de que falamos anteriormente. Importante salientar que será base pois, em transações como as acima mencionadas (fusões, aquisições, compra ou venda da participação de/para algum sócio, admissão de um sócio, etc.), haverá sempre outros aspectos a serem levados em conta, tais como carteira de clientes, procedimentos ou segredos industriais, relacionamento com fornecedores, canais de distribuição, reputação da empresa, etc. Estes aspectos deverão ser avaliados e negociados em separado pois, de praxe, não estarão refletidos nos registros contábeis.