Comentários dobre a cotação do US$

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Ricardo Rodil
10/02/2025
Comentários dobre a cotação do US$
Ponto de vista

Por que o dólar vem subindo?

Existe uma resposta simples e rápida: porque a oferta dessa moeda vem se encolhendo e sua procura aumentando. A partir dessa resposta simples, a coisa complica, como sempre. A oferta foi influenciada negativamente pela retirada de investidores estrangeiros do mercado brasileiro. A entrada líquida de dólares norte-americanos neste ano foi perto da metade da de 2023. A procura (demanda) por essa moeda subiu; em parte pelas condições geopolíticas, em parte pelas promessas (ameaças) eleitorais de Trump e em parte pela percepção de que o governo brasileiro não está levando a disciplina fiscal a sério.

Você menciona alguns fatores externos; pode ampliar estes conceitos e fazer o nexo com o aumento da cotação do dólar no Brasil?

Desta vez, a resposta daria um livro. Vou pinçar os principais fatores e relacioná-los com as forças que levaram ao aumento da cotação do dólar frente ao Real. Condições geopolíticas: citando algumas, temos de lembrar da invasão da Ucrânia pela Rússia, o conflito armado Israel-grupos terroristas islâmicos, as ameaças eternas de China quanto à invasão de Taiwan. Estas condições criam instabilidade nas projeções e levam, em muitos casos, a buscar refúgio em ativos considerados seguros, como o dólar e o ouro. Incertezas a respeito do cumprimento e dos potenciais impactos das promessas eleitorais do presidente eleito dos Estados Unidos. Tomando só duas delas, vejamos os possíveis impactos. A expulsão de indocumentados deve levar a que postos de trabalho sejam tomados por nativos, o que seguramente encarecerá a mão de obra, pressionando a inflação. A taxação de importações, especialmente da China, redundará em aumentos dos preços internos, não só desses produtos importados, mas de seus concorrentes locais. Corolário: manutenção ou aumento da taxa de juros americana, o que levaria fluxos internacionais de dólar para os EUA, enfraquecendo a disponibilidade dessa moeda nos outros mercados, entre eles o Brasil. Consequência direta: aumento da cotação do dólar norte-americano perante o Real.

Você menciona também fatores internos; neste caso, pode explicar estes conceitos e resumir como eles afetam a cotação do dólar no Brasil?

Costumo separar estes fatores entre políticos e econômicos, mas eles se apresentam tão entrelaçados que vou preferir atacá-los em conjunto. Um dos principais aspectos que deixam "o mercado" apreensivo é a tendência do atual governo e não manter um mínimo confiável de disciplina fiscal. Esta indisciplina fiscal alimenta várias vertentes que resultam em pressões inflacionárias. Uma dessas vertentes é o aumento da dívida pública causada pelos déficits orçamentários; a família que gasta mais do que ganha e acaba endividada com frequência, inadimplente. Em ambos os casos (governos e famílias) quem for financiar exigirá taxas de juros e garantias maiores. Pronto; aumenta a taxa de juros e a inflação cresce. Fora o fato de que, ao aumentar a taxa de juros, o endividamento também fica mais difícil de controlar.

A recente apresentação do pacote que se esperava fosse de redução de gastos tampouco conseguiu acalmar "o mercado". Também, pudera! Em resumo, o pacote traz propostas que, em sua maioria, terão efeitos no futuro. Concebido com matizes populistas, propõe também a isenção do Imposto sobre a Renda para quem ganha até R$ 5.000,00 mensais, medida que claramente pressionará por mais déficit. Algumas medidas, como a revisão e/ou "pente fino" em certos benefícios sociais que já apresentaram evidentes desajustes, são bem-vindas. Mas fica a pergunta no ar: porque elas não foram apresentadas nos primeiros meses do atual governo, quando já essas distorções eram sobejamente conhecidas?

Você e muitos outros analistas citam frequentemente a expressão "o mercado"; a que vocês se referem?

Vou começar com uma resposta concisa: o mercado somos todos nós. Não é aquela entidade incorpórea que muitos relacionam com a "Faria Lima", centro financeiro de São Paulo. Explico: quando você, assalariado, decide antecipar ou postergar a compra de uma geladeira nova, essa decisão é baseada no que você espera que aconteça no futuro com sua vida financeira: aumento de salário, nível de endividamento, espaço no seu orçamento para as prestações, inflação percebida, taxa de juros, etc. Ou seja, quando falamos do "mercado" não podemos imaginar um capitalista selvagem, sentado no seu luxuoso escritório e pensando em como azucrinar os outros atores econômicos para ele obter ganhos estratosféricos. Com este conceito na mente, seremos capazes de influenciar, como ação coletiva, os rumos da economia nacional.

Então, estamos condenados a uma inflação permanente? Traduzindo, não temos salvação?

De jeito nenhum; mas o caminho é árduo, especialmente nas atuais condições políticas. Não obstante, vejo uma luz no fim do túnel. Infelizmente, no atual estado de conflagração institucional dos três poderes do governo federal, não vejo que haja condições objetivas de tomarmos as medidas que nos conduzam a uma solução imediata. Mas vejo uma luz no fim do túnel e explico. Sempre insisti que um dos fatores que poderia contribuir para que a economia brasileira saia desse marasmo era uma atitude da indústria de transformação e de serviços de investir em ganhos de produtividade. Esses ganhos têm o condão de aumentar os produtos e serviços disponíveis no mercado (oferta) sem ampliar a massa de moeda em circulação (que representa a demanda). Consequência direta? Queda das pressões inflacionárias. E essa luz pode ser significativamente ampliada quando o acordo Mercosul-União Europeia se concretizar e a importação de maquinário europeu passar a ser uma realidade ao alcance dos industriais brasileiros. É esperar para ver.