A Respeito do Caminho e de Outros Respeitos

A respeito do caminho e de outros respeitosrticle

Ricardo Rodil
10/02/2025
A Respeito do Caminho e de Outros Respeitos
Ponto de vista

Me deixou meio "grilado" o fato de alguém me criticar porque, tendo passado uns dias em Amsterdam, não visitei este ou aquele museu. A arte é, muito além de beleza, liberdade. Se ela é a liberdade de criar, tem de ser também a liberdade de apreciá-la, de desfrutá-la, admirá-la, absorvê-la, eteceterá-la ("erro" intencional). Liberdade de ter ido a Amsterdam e decidido não ver, nessa visita, os (sensacionais, admito) Rembrandts e Van Goghs. Esclareço: acho Van Gogh o maior artista da história da pintura. Indo um pouco além, liberdade de não me sentir obrigado a conhecer ou reconhecer alguma música de Mozart (aliás, prefiro os barrocos) ou a ler o livro que está estourando nos rankings ou o filme que ganhou todos os prêmios no ano passado. Liberdade de etecétera, e vice-versa. Dá para entender?

Nessa mesma linha, um dia me passou pela cabeça o impulso de não ir ao cinema, como tinha programado, assistir a um filme que muitos haviam me recomendado. E pensei cá com meus botões que, ultimamente, vinha sendo invadido pela impressão de que devia confiar mais no meu próprio intelecto, na minha visão do mundo. Interpretações alheias eram, naquele momento, dispensáveis. E, pasme o leitor, não vejo nem um pouco de soberba nessa postura, pois isso não significa a convicção de que meu intelecto seja perfeito ou superior ao de qualquer outro ser humano. É dele que recebo, muitas vezes, fluxos negativos. Ergo, nada mais justo do que aproveitar também os fluxos positivos. Parafraseando Caetano Veloso: "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".

Esse é o caminho que escolhi. A duras penas, vou aprendendo que a graça está na procura e não no que achamos. Especialmente porque o tempero da vida parece estar em todas as vezes que, nesse caminho, você pensa que encontrou o que procurava e saboreia o achado, até suspeitar que deve haver um "algo a mais" e retoma a busca, pois não há caminho pronto, "se hace camino al andar", como genialmente colocou o poeta espanhol Antonio Machado. E algum dia talvez compreendamos que o que procurávamos (ou melhor, aquilo que nossa aflição buscava) não era nada que porventura houvesse no fim do caminho. Que a verdadeira riqueza consiste naqueles pequenos achados e, mais do que isso, no caminho em si, no simples fato de caminhar.

Ou seja, na simplicidade da própria vida e, necessariamente, na capacidade de contemplar, que perdemos lá nos primórdios, quando começamos a organizar nossa atividade produtiva, que talvez tivéssemos que ter deixado tão livre quanto a arte, e depois pretendemos estender essa organização aos nossos sentimentos, às nossas percepções, aos nossos etecéteras.